[Resenha] A Casa das Rosas - Andréa Zamorano

11 comentários
Título: A Casa das Rosas
Autora: Andréa Zamorano
Editora: Tinta Negra
Ano: 2017
N° de Páginas: 176

|| Livro cedido em parceria para resenha ||

Sinopse:
Corre o ano de 1984 em uma São Paulo inebriada pelo sonho de eleições diretas – o Movimento Diretas Já está em curso.
O povo clama por liberdade; Eulália, jovem paulistana, protagonista desta história, também. Criada com muita rigidez e autoritarismo pelo pai rico, político conservador e homem ciumentíssimo, Eulália, ao completar dezoito anos, se depara com insólitos acontecimentos que marcarão sua vida de forma definitiva.
Um tabu prestes a ser violado, um vestido de noiva rasgado, uma família destroçada, uma fuga pela cidade turbulenta, um sagui que fala, um crime a ser desvendado, um detetive em busca de si mesmo, um corpo revelado, um poeta que só surgirá décadas mais tarde nos livros de Roberto Bolaño, um jardineiro que sabia demais, o perfume das rosas. Uma história fora do comum, mas, sobretudo, um libelo contra a opressão.
Uma narrativa elíptica e surpreendente, em que a autora encontra sua identidade numa língua portuguesa que funde culturas.


A Casa das Rosas é um romance peculiar, dotado de escrita livre de formalidades habituais. É um escrito atraente e navegante pelas águas turvas e misteriosas do amor e do ódio.


Maria Cândida Santos Antunes de Sá Vasconcelos era uma mulher com ares aristocráticos e atraente até a alma e assim conquistou o coração selvagem e autoritário de Virgílio Antunes de Sá Vasconcelos. Aparentemente uma plebeia tinha conseguido galgar um casamento afortunado e um marido amoroso e dedicado.

Virgílio fora criado num seio político forte e presente. Sempre fora um homem de muitas posses e ímpetos desenfreados e por isso tinha tendência de que seus caprichos fossem imediatamente seguidos e não sabia lidar com qualquer rejeição. Seu Raimundo – criado da família há muitos anos – conhecia bem aquele homem. Devotava exacerbadamente aquele homem que um dia fora uma criança indomável com um par de olhos verdes vibrantes e imperativos.

“Estávamos apaixonados. O excesso é o alimento da paixão.” (Pág.83)

Quando Maria se apaixonara por Virgílio pensava que conseguiria contornar o jeito mimado e controlador do marido, porém as pessoas tem a inocência de acreditar que podem mudar os outros, se os mesmos não quiserem ser modificados. Pautando-se numa mudança que nunca viria, o colorido que antes estampava a vida de Maria Cândida fora substituído pelos dias cinza que se tornaram negros com a chegada da filha do casal: Eulália.


Um lado sombrio e cruel tomou posse de Virgílio. Um homem que antes era amoroso e meigo mostrava uma fase irreconhecível e abrandou sua fúria e repulsa por sua esposa. Sua raiva vinha da rejeição com a forma física que a esposa tomara com a gravidez. Ele pensava que seria taxado de ridículo no âmbito político e sua campanha eleitoral seria um fracasso, então escolhe enclausurar Maria em seu quarto.

“A verdadeira poesia é assim, ela deixa-se pressentir, anuncia-se no ar, como os terremotos” – e os temporais.” (Pág.51)

Dezoito anos depois, Eulália é uma jovem forte, inteligente e apaixonada por poesia. Ela fora criado num autoritarismo inebriante e um controle sem freio de seu pai Virgílio. Nunca conseguia fazer nada sem os olhos do pai estejam vigiando seus passos. Nem a faculdade pode ser de Letras. Apenas Medicina ou Direito. Optara pelas letras jurídicas, mas nada disso apagava a vontade de conhecer sua mãe que sumira há muitos anos.

No seu aniversário de dezoito anos os fantasmas do passado e a insanidade de pai se mostrarão como juízes condenando seu comodismo durante todos esses anos e a levarão a tomar atitudes nunca antes possíveis.


Sabe aqueles livros que você pode tomar perfeitamente com uma bela xícara de café ou chocolate quente e rosquinhas?  A Casa das Rosas é um desses livros que parece um passeio no parque ou uma visita maravilhosa aos museus de história política e social. É um convite pelos tempos da ditadura, acompanhando os acontecimentos na vida de uma família envolvida em armadilhas e atos cruéis.

“Quis que fôssemos apenas nós os dois, um para o outro, que não houvesse o mundo lá de fora, muito menos o daquela altura, tão opressor.” (Pág.19)

Eulália é tempestiva em seus modos. É radiante mesmo diante a introspecção. É uma revolucionária silenciada pelas repreensões de seu pai que está tentando conter o movimento das Diretas Já no país. A representatividade política sempre regeu as atitudes do pai e consequentemente controlavam cada passo da jovem que se sentia aprisionada e somente quando conhece Juan – personagem de um romance – é que ela solta suas asas e alça voo.

Virgílio é um homem sem limites. Ele me lembrou de demais o coração obscuro e insano de Heytcliff em O Morro dos Ventos Uivantes que transitava entre a loucura e a possessão sob os outros sem passar por uma reflexão sequer. Sem uma sensibilidade humana, ele é autoritário em tudo. Nunca perdoara a ex-esposa e esconde o paradeiro dela para Eulália. A jovem nem desconfia do monstro que habita na alma de seu pai.

Maria Cândida é uma mulher fascinada pelo marido e por isso não enxergou as sombras malignas que estão ao seu redor. Encontrou-se com a solidão e a brutalidade quando resolveu ultrapassar a linha de controle de Virgílio e experimentou de um medo hediondo em perder sua filha, mas não sabia que algo muito mais terrível acontecia ao seu redor e somente anos depois ela encontraria a paz.

“Não quis abdicar e lutou como pôde. Como todos nós deveríamos fazer. Não sermos capachos dessas sanguessugas inúteis.” (Pág.101)

Uma obra sem parâmetros linguísticos e que ultrapassar elegantemente a linha da formalidade da língua portuguesa e nos apresenta um escrito único e encantador com um linguajar próprio que dar um toque sofisticado a narrativa.


Um convite aos pensamentos modernistas de Leminski e aos atos revolucionários que eclodiam no Brasil para pressionar o governo e instaura-se uma democracia plena. Não como Virgílio pensava que dava poder aos “ratos”, mas que dava voz para todas as pessoas que um dia foram esquecidas pela corrupção e principalmente por governantes de índole dúbia.

 Essa edição é um luxo. A capa me lembra de demais a escola literária modernista que sempre me encantou e as folhas amareladas que intercalam com folhas pretas que indicam a passagem de tempo no enredo, tornam a obra, uma obra-prima.

A Casa das Rosas é um convite para uma viagem temporal pela política brasileira e principalmente para mostrar que amor e ódio movem muito mais as atitudes humanas, do que a razão.

“Naquela altura, eu acreditava que algumas coisas só aconteciam na ficção, não no mundo real.” (Pág.16) 


Comentário(s)
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  1. oi, jo, fiquei com vontade de ler esse livro, embora nunca tenha ouvido falar nele. Parece bem interessante, principalmente trazendo um cenário brasileiro, e achei o título super atrativo. Obrigada pela dica.

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  2. Ola,
    Não conhecia o livro mas pela sua resenha parece ser um clássico. Legal eles terem cuidado com a diagramação do livro.Vou anotar a dica para futuramente.
    Beijos
    Raquel Machado
    Leitura Kriativa
    leiturakriativa.blogspot.com

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  3. Olá, como vai?
    A principio, esse livro não me chamaria a atenção, pois não é o tipo de leitura que eu costumo fazer. Mas, sua resenha está linda, muito bem escrita e me despertou bestante curiosidade em conhecer a história mais a fundo, sair da minha zona de conforto. Realmente, o físico do livro está um luxo, super linda e convidativa. Se houver uma oportunidade no futuro, darei uma chance a leitura cm certeza.

    Beijos!

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  4. Olá! Nossa, fiquei louca para ler esse livro! Que história forte e tocante, li O morro dos ventos uivantes e saber que ele lembra a personalidade do Heytcliff já me deixou mais curiosa ainda. Fiquei curiosa para saber o que aconteceu com a mãe dela, obrigada pela dica, beijos!
    Entre Livros e Pergaminhos

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  5. A trama parece bem intensa. Não faria a leitura pelo simples fato da carga política que apresenta, já que estou saturada da política atual no país, prefiro buscar algo q me afaste um pouco desse cenário. Mas é uma leitura valida para o futuro.

    Raíssa Nantes

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  6. O livro já vale a pena só pelo teor histórico bem trabalhado, os anos 80s foram uma época importante em nosso país da qual não há quase nada escrito sobre a época, parece que as pessoas querem esquecer essa década devida as tantas crises financeiras e políticas. E alem disso, como você falou, é uma edição linda boa diagramação e uma viagem ao passado.

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  7. Muito obrigada pela leitura generosa, fiquei muito feliz. Sucesso para o seu blog.

    Um beijão. Andréa Zamorano

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  8. Jo!! Que resenha fantástica!! Eu não conhecia o livro nem a autora mas vou te contar que já fiquei bem interessada na leitura e super anotei sua dica! Adoro tramas familiares, e com esse fundo político então... já sei que irei gostar :D
    Beijos!!

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  9. Olá! Eu adorei o título!
    Sabe aquela impulsividade de comprar livros pela capa? Então... O meu é pelos títulos.
    Realmente me chamou a atenção.
    Gostei de saber que a autora envolve na trama elementos sociais e políticos de uma determinada época.
    Acho livros assim muito ricos.
    Eu apreciei também sua forma de falar sobre o livro e como você foi envolvida por ele.
    Enfim... Adorei! Beijos!

    Eliziane Dias

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  10. Olá!

    Adorei a premissa, não me parece muito comum, mas gostei da ideia, gosto do seu cantinho justamente porque traz resenhas de livros que nem sempre são best-sellers, mas trazem lindas mensagens. Adorei as fotos!

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  11. Oi.
    A dição realmente está linda.
    Eu não conhecia a obra e achei sua resenha excepcional.
    Fiquei com vontade de reler alguns clássicos e dar um tempo das leituras leves e despretensiosas que são minha fonte de entretenimento no momento.
    Parabéns pela resenha e pela escrita.
    Beijos.

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