Título:
Na
Escuridão da Floresta
Autora:
Eliza
Wass
Editora:
Verus
Ano:
2017
N°
de Páginas: 210
Sinopse:
Castella Cresswell e seus cinco irmãos sabem o que é ser diferente. O mundo deles se resume à casa decrépita da família na escuridão da floresta. Os irmãos obedecem estritamente às leis de Deus, cujas mensagens são transmitidas através de seu pai. Uma delas diz que eles são as únicas pessoas puras na terra e deverão se casar uns com os outros em uma cerimônia divina. Na escola, eles ainda são encarados como os esquisitos de sempre, que aparecem com hematomas inexplicados e vivem em completo isolamento. Até Castley ser obrigada a fazer dupla com George Gray, que oferece a ela um vislumbre do que é uma vida com liberdade e opções. O mundo de Castley rapidamente se expande para além da floresta que ela conhece tão bem e das crenças que um dia ela pensou serem as únicas verdades. Há um futuro esperando por ela se conseguir escapar das garras de seu pai, mas a garota se recusa a deixar os irmãos para trás. E, justo quando ela começa a bolar um plano, seu pai faz um anúncio arrepiante: os Cresswell em breve retornarão para seu lar no paraíso. Com o tempo se esgotando, Castley precisa arrumar um jeito de expor toda a extensão da loucura de seu pai. A floresta manteve a verdade no escuro por muito tempo, e agora Castley pode ser a última esperança de salvação para os irmãos Cresswell.
“Você não acredita. Finalmente
admitiu. E é a pior coisa que já lhe aconteceu.”
Na
Escuridão da Floresta é um thriller que mostra que
podemos ultrapassar os limites do certo e errado quando acreditamos em algo sem
avaliar os riscos e a verdade e as consequências que levaram a Família
Cresswell ao caos.
Castley Cresswell é uma
adolescente de 17 anos que sempre sonhou ser uma garota normal e que pudesse
escolher sozinha tudo que quisesse, mas ser um Cresswell tem um custo. É muito
alto e ela e seus irmãos: Caspar, Mortimer, Jerusalem, Hannan e Delvive não
tiveram a oportunidade de escolher quem queriam ser. Seu pai, o patriarca
daquela família, escolheu por eles.
Caspar é o pupilo de
seu pai. Não consegue mentir e muito menos acobertar o que seus irmãos fazem. É
tão perfeito que desperta a repulsa dos seus irmãos, mas como aquela família é
“especial e perfeita aos olhos de Deus”, ninguém demonstra qualquer sentimento
adverso aos dons do espírito. Ele é considerado a reencarnação do primogênito
dos filhos que morrera ainda pequeno. O jovem se pune sozinho quando pensa em
algo pecaminoso e até adentra sozinho aos “Aposentos de Deus” – um buraco de
esgoto na floresta que o pai deles usa para “discipliná-los” – para refletir
sobre seus atos. Isso nunca foi lógico para Castley.
Na escola todos eles
são vistos como estranhos e esquisitos. Ninguém gosta de estar ao lado deles,
porque sabem do enclasuramento que vivem por causa do pai extremamente
religioso. Isso sempre doloroso para Castley, porém não poderia expressar isso
claramente, já que “Deus” poderia puni-la como seu pai constantemente falava a
todos. Qualquer deslize e poderia perder seu lugar no “Paraíso”. Isso
assombrava os pensamentos dela e não conseguia seguir com seus anseios.
Eles somente foram
matriculados na escola quando Mortimer – o mais encrenqueiro e rebelde deles –
se envolveu num acidente – que tenho certeza que foi o pai que o espancou – e
foi acudido pelo vizinho Michael que o levou para o hospital para aliviar o
machucado na clavícula e os abusos paternos foram expostos e as crianças
obrigadas a ir para escola, já que seu pai dizia que eram “estudos do diabo”
que davam nas escolas mundanas.
Os dias da prole
Cresswell se resumiam a irem para a escola e se alimentarem melhor, pois em
casa não havia comida suficiente, porque o pai deles não trabalhava e
acreditava na “providência divina” para tudo. Eles negociaram com a professora
de culinária para ficarem com as sobras. Depois não poderiam ficar muito tempo
na escola, porque atividades extracurriculares não eram toleradas pelo pai.
Castley e Mortimer não cumpriam essa regra. Ela estudava teatro e gostava do
que fazia. Mortimer vagava pelas ruas e fazia coisas que nunca seriam aprovadas
em sua casa. Era o modo de mostrarem que não acreditavam no que seu pai teimava
em ensinar.
“Quando você está
suspenso por um fio, só percebe quando o fio começa a se partir.”
As coisas mudam
drasticamente quando Mortimer é pego roubando – eles furtam sempre – uma pasta
para herpes e é condenado – novamente – para os “Aposentos de Deus” e Castley
ver que aquilo nunca soará correto. Seu pai é um monstro. Sua mãe não parecia
mais viva e nunca intervia em nada. Seu irmão Caspar – mais perturbado de todos
– apanhara até a exaustão por simplesmente está apaixonado pela enteada do
vizinho. Seu pai sempre fora um louco e somente agora com as escapulidas da
jovem é que a verdade viera à tona. Algo devia ser feito para o pior não
acontecer.
A tensão se instala na
casa dos Cresswell. Todos escondem segredos. Mortimer está enlouquecendo com
suas brigas com Caspar. Os dois escondem algo perigoso. Hannan – o mais velho –
parece cego com o pai. Apenas Castley pode mudar aquilo e é isso que acontece quando...
tudo muda e...
Esse livro é
extremamente forte e bem articulado. A autora demonstra coerência e
aprofundamento na questão de crenças. Ela não critica ser religioso, mas o ato
do extremismo, porque quando acreditamos fielmente em algo, temos a tendência
natural de perdemos o senso de certo e errado e transformamos tudo em perigo
eminente e uma perseguição sem sentido dos outros por nós. É isso que os
Cresswell sofrem. A loucura tomou seu pai e se instalou na penúria daquela família.
“Porque é uma coisa
boa, e eu acho que as pessoas não têm muito o hábito de falar coisas boas. Elas
pensam, mas não dizem. E deveriam. Acho que o mundo seria um lugar bem melhor
se elas fizessem isso.”
O patriarca da família
é tudo menos humano. No passado ele pode ter sido carinhoso, amoroso, um homem
aberto e centrado, mas hoje é um ditador e religioso extremista. Quase um
profeta em pleno século XXI. Tudo para ele é “mensagem de Deus”. Qualquer
deslize e seus filhos serão castigados pelos seus pecados. Oração e não contato
com as pessoas da cidade é o mantra dele para sua prole. Um erro e a violência
é jogada no corpo de Castley, Mortimer, Caspar, Baby V – Jerusalem, Delvive e
Hannan.
Eu odiei esse homem no
momento que comecei a ler a história dos Cresswell contada por Castley. Ele usa
a “Palavra de Deus” em vão e tudo que fala é para beneficio próprio. Qualquer
pessoa que utiliza de palavras sagradas para coagir alguém é egocêntrica e
argilosa. Ela simplesmente quer que seus caprichos sejam atendidos e quando vê
rebeldia, é com crueldade que responde.
Castley é inteligente,
sagaz e intuitiva. Ela é a primeira pessoa na família que coloca suas dúvidas
para fora. Ela não aceita mais seu pai decidir por eles. Não suporta mais as
pessoas lhe olharem com piedade e outras com medo e ar de superioridade. Ela
busca por resposta e se depara com o medo mais humano possível: o medo de
desacreditar em tudo que lhe ensinaram. Ela é mais forte do que acreditava ser
e somente quando se perde é se encontra em si mesmo e liberta a todos.
“Uma pessoa sólida,
mais forte do que eu jamais poderia ter imaginado. Uma pessoa que podia fazer
qualquer coisa. Uma pessoa completamente destemida.”
Caspar é considerado um
“deus” para os irmãos, porque sempre é sincero, reto e íntegro. Isso é o que
eles veem, porém não é a verdade. Ele é apenas um jovem de 16 anos perdido na
religiosidade que seu pai impôs na casa e esconde seus desejos naturais e
principalmente seus sonhos carnais com Amity, a filha do vizinho.
Mortimer é o personagem
mais contraditório dessa família incomum. No início ele é rebelde e faz coisas
que sempre o colocam em punição diária, mas depois de como “um passe de
mágica”, ele começa a acreditar nos sonhos reveladores do pai e na proximidade
do “Paraíso”. Ele mais teme sofrer com agressões depois de ver seu irmão Caspar
quase morto com chutes dado pelo homem “santo” que administrava aquela família.
A mãe dele é um
espectro. Perdeu a beleza e a jovialidade estando do lado de um homem louco e
desenfreado e as poucas vezes que fala é com agressividade e infelicidade em
suas palavras. É vítima da escolha que teve no passado, mas ama seus filhos e
demonstra isso no final.
A construção narrativa
desse livro se assemelha muito com Proibido
e Mentirosos que falam de família,
moral e dogmas religiosos. O pai da família Cresswell acredita que seus filhos
se casarão entre si para conservarem a unicidade daquele lar. Ele acredita que
são santos e os outros enviados pelo diabo. O que ele faz com os filhos é tão
doloroso que cheguei a estremecer com tamanha brutalidade. Torci diversas vezes
que ele morresse comendo, andando e esbarrasse com algo. Queria ver aquelas
crianças livres do sofrimento que foi ter nascido ali.
É bruto, cruel e insano
esse enredo. Não é feito para pessoas acostumadas a serem lideradas e deixarem
suas escolhas nas mãos alheias. É uma história para mostrar que somente nós
mesmos podemos pensar por si próprios. Não há coerência em se subordinar para
uma “espera divina”. O Agora precisa de nosso agir. Crer em algo divino é uma
construção social e não imposta. Deixar de acreditar em uma “Força Suprema” não
faz de ninguém fraco, mas faz dela, uma pessoa coerente com seus valores e
conhecimentos.
A capa é bem infantil,
mas caiu bem com a história em si. A fonte é agradável.
Na
Escuridão da Floresta é um drama desconstrutivo que tem o
objetivo de chocar o leitor e o levar a repensar em suas crenças e refletir se
realmente tem vivido de acordo com suas escolhas ou deixado que outros
controlem seus passos.
“Algumas pessoas podem
ser bonitas ou falar bonito, mas é o que elas fazem que nos indica se merecem
ou não nosso tempo. É o que elas fazem que nos indica se merecem nossa fé.”