[RESENHA] Céu sem estrelas - Iris Figueiredo

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Título: Céu sem estrelas
Autora: Iris Figueiredo
Editora: Seguinte
Ano: 2018
N° de páginas: 360
Skoob




Sinopse:
Um romance sensível e envolvente sobre autoestima, família e saúde mental.
Cecília acabou de completar dezoito anos, mas sua vida está longe de entrar nos trilhos. Depois de perder seu primeiro emprego e de ter uma briga terrível com a mãe, a garota decide passar uns tempos na casa da melhor amiga, Iasmin. Lá, se aproxima de Bernardo, o irmão mais velho de Iasmin, e logo os dois começam um relacionamento.
Apesar de estar encantado por Cecília, Bernardo esconde seus próprios traumas e ressentimentos, e terá de descobrir se finalmente está pronto para se comprometer. Cecília, por sua vez, precisará lidar com uma série de inseguranças em relação ao corpo — e com a instabilidade de sua própria mente.


Céu sem estrelas é uma obra que encanta com sensibilidade em tratar temas tão delicados como a saúde mental e preconceitos com delicadeza e verdade.
Cecília acabou de chegar a maior idade – segundo os critérios legais brasileiros – e sente-se que está apenas existindo. A felicidade parece algo inatingível para ela no dia do seu próprio aniversário. Ela ganha de “brinde” uma demissão e não sabe como contar mais “fracasso” em sua vida para sua mãe – e que mala! – e amigos. A jovem não consegue entender porque as coisas sempre dão errado em sua vida e fase adulta promete ser apenas uma continuação de suas sessões de tortura na adolescência.

Como não pode fugir de suas amigas, ela permite se extravasar com elas e esquecer pelo menos todos os problemas que a esperam. Ela bebe além da conta e acaba com uma ressaca profunda juntamente com sua amiga Iasmin. Rachel, sua outra amiga, pede ajuda para Bernardo, irmão de Iasmin, para levar suas duas amigas para casa, já que ela é limitada por sua cadeira de rodas e as garotas não conseguem nem ficar de pé. O jovem não consegue compreender, porque sua irmã caçula sempre está exagerando e agora colocando a calma Cecília na mesma, porém ele não tem nada melhor para fazer no final de semana e ajuda como pode.

No outro dia Cecília acorda com ressaca e várias mensagens ameaçadoras da mãe que não sabe onde ela está. Ela percebe que está um “trapo” e com roupas diferentes da noite passada. Iasmin não estava em condições de fazer isso, então somente sua paixonite de infância – Bernardo – poderia ter ajudado. Ela fica sem jeito e desce para agradecê-lo. A conversa flui até ele falar algo que desperta uma crise emocional nela. Ela está nua em alma para seus amigos e principalmente para quem ela sempre teve uma paixão e isso a deixa pior. O que resta é encarar a “fera”, ou melhor, sua mãe

“Você é gorda. Você é feia. Você come feito um animal. Ninguém te acha legal. Ninguém te acha bonita. Ninguém te acha interessante. Nem seu pai gosta de você.” p.43

A chegada em sua residência não ocorre bem e ambas brigam. O clima chato se instala e a semana passa tensa e com muitas coisas suspensas no ar. A mentira sobre a demissão de Cecília vem à tona e ela acaba expulsa de casa e vai se acomodar na casa de Iasmin.

Sua passagem na casa vai além de suas expectativas e um sentimento poderoso e renovador surge entre ela e Bernardo, porém a jovem precisa de ajuda urgente, porque está presa dentro do seu caos e sua vida muda drasticamente quando alguns acontecimentos fogem de seu controle.
Qual será o estado emocional de Cecília? O que ela carrega em seu coração? Por que ela sente que a vida não quer sua felicidade? Será que ela e Bernardo podem ter algo mais profundo mesmo com toda a tempestade que assola nossa jovem protagonista? E será que ela conseguirá sair desse “olho” do furacão?


“E o que parece comigo?, pensei. Minha mãe me conhecia de verdade? De repente me dei conta que não.” p.70

Cecília é uma personagem bem complexa e incrivelmente apaixonante. Para quem conhece a Lizzy Bennet de Orgulho e Preconceito vai saber do que estou falando. A jovem tem ideias profundas sobre a vida e os relacionamentos humanos. Ela é intensa em cada passo que dar e infelizmente caiu nas garras de seus próprios traumas e por isso sua visão de mundo e principalmente de si mesma é errônea. Ela se acha fora dos “padrões”.

Nossa protagonista é belíssima, entretanto não se enxerga assim. Ela é de estatura mediana, cabelos castanhos, rosto angelical e gordinha e por isso acha que não merece ser amada por ninguém, porque para ela pessoas gordas só dão trabalho. Ela não acredita em sua inteligência e muito menos na sua capacidade e por isso vive sabotando tudo em sua vida.

Bernardo é um jovem de classe alta que tem a vida que todo jovem de sua idade deseja, todavia as aparências enganam. Sua família está à beira de um abismo. Seu pai sempre fora o “herói” de sua irmã, mas nunca passara de um homem que traiu sua mãe e controlara todos ao seu redor, até a decisão de cursar engenharia e não psicologia do filho. Ele é forte e centrado, mas vivia na superficialidade. Bebia e saía todas as noites e ficava com várias mulheres, porém se sentia vazio até encontrar Cecília e perceber que a vida requer mais qualidade do que quantidade.

“Cecília me mostrou em poucos dias que a vida era muito mãos do que eu estava acostumado. E que, por ter me contentado com pouco até então, eu tinha estragado tudo por uma migalha.” p.228

O relacionamento entre Cecília e Bernardo nasce de uma forma bem espontânea e sincera. O convívio entre os dois é harmonioso e ao mesmo tempo delicado, porque ele percebe que Cecília é extremamente frágil emocionalmente e sempre parece que vai ruir e quebrar como uma boneca de porcelana, mas ele está disposto a estar do lado sempre que ela precisa e por isso ele é como um porto seguro para ela e isso é inspirador e apaixonante no enredo.

A mãe de Cecília – se posso chamar assim – é uma mulher de postura inadequada para suas responsabilidades. Ela engravidara cedo e não deixava ser limitada por uma criança e por isso constantemente vivia em conflitos intensos com a filha. Ela abandonara emocionalmente Cecília e todos os traumas e desequilíbrios emocionais e mentais são causados por ela. Em nenhum momento tive compaixão por ela, porque nada justificava sua ausência. A avó da jovem tornou-se a figura materna, entretanto a responsabilidade emocional é dela, mesmo que o pai tenha sido um homem de uma noite. Ela é detestável e insignificante em todo o contexto.

Temos diversas discussões nessa história, como a jovem Iasmin que tem dezoito anos e reprovou o último ano do ensino médio como prova da sua capacidade de controlar sua própria vida e seu relacionamento abusivo com Otávio que mostra o controle que muitas mulheres perdem com parceiros possessivos e agressivos. Também nos deparamos com perfis que sofrem rejeição em nosso país, como a prima de Cecília que é lésbica e sofre com o preconceito da mãe; Stephanie que é negra e mulher e tem que sempre se esforçar duas vezes mais para conquistar algo; Rachel que é deficiente e sofre com suas limitações, porém nunca se sente vítima da própria vida; Bernardo com a mudança de perspectiva e começa a enxergar a essência da vida que vai além de uma rotina impulsiva.

A autora nos traz Cecília que nos emociona com facilidade. Diversas vezes fui tomada por crises de choro e angústia com o sofrimento da protagonista. É inconcebível que as pessoas sofram tanto assim e não tenhamos a capacidade de enxergar isso. Cecília estava presa dentro dela mesma e pedindo socorro e ninguém percebia isso e quando Bernardo observa isso, ela se esconde e deduz que é um “peso” para todos, porque na sua consciência ninguém era capaz de amá-la e no final todos a abandonavam, como seu pai e mãe.

“E nada me assustava mais do que precisar de alguém”. p.317

Não espere por um romance nesse livro, porque Iris nos traz um drama verdadeiro. É a vida sendo esmiuçada com destreza para os leitores. Ela explora com maestria as relações humanas que tem causado sofrimento por nossa incapacidade de se colocar no lugar do outro. Você chamar alguém de “feio” pode ser insignificante para um, mas para outro pode ser um gatilho perigoso para seus traumas. Nossa responsabilidade ao falar e ao agir é enorme, então se você quer perceber mais claramente isso, leia essa obra.

O enredo é extremamente forte e tenso, então respirem fundo e leiam com calma e refletindo sempre. Não se preocupe se em alguns momentos quiser gritar ou chorar, porque tenho certeza que se identificará com Cecília, Bernardo, Iasmin e outros personagens e isso mostra que Iris acertou na história, porque o que nos liga é nossos sentimentos e emoções.

A capa da obra é um toque extraordinário na história, porque traz um momento crucial no livro e mostra Cecília observando o céu, como a autora diz “Há muitas estrelas no céu, não deixe que as nuvens te façam esquecer isso”.

Céu sem estrelas é um livro que vai mexer com suas emoções e mostrar que a saúde mental é essencial para nosso equilíbrio e principalmente que somos responsáveis uns pelos outros.




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