[Resenha #07] O Ceifador – Neal Shusterman

15 comentários
Título: O Ceifador – Série Scythe Vol.1
Autor: Neal Shusterman
Editora: Seguinte
Ano: 2017
N° de Páginas: 442
|| Resenha originalmente feita para o Chalé Cult ||


Sinopse:
Primeiro mandamento: matarás.
A humanidade venceu todas as barreiras: fome, doenças, guerras, miséria... Até mesmo a morte. Agora os ceifadores são os únicos que podem pôr fim a uma vida, impedindo que o crescimento populacional vá além do limite e a Terra deixe de comportar a população por toda a eternidade. Citra e Rowan são adolescentes escolhidos como aprendizes de ceifador - papel que nenhum dos dois quer desempenhar. Para receberem o anel e o manto da Ceifa, os adolescentes precisam dominar a arte da coleta, ou seja, precisam aprender a matar. Porém, se falharem em sua missão ou se a cumplicidade no treinamento se tornar algo mais, podem colocar a própria vida em risco.


“É que ainda morramos um pouco por dentro toda vez que testemunhemos a morte de outra pessoa. Pois só a dor da empatia nos manterá humanos. Nenhum Deus vai poder nos ajudar e algum dia perdemos isso.” p.393

O Ceifador é uma história que nos leva ao questionamento: Será que podemos aniquilar a ambição do ser humano pelo poder mesmo diante a possibilidade de uma sociedade perfeita?


Estamos na Era da Pós-Mortalidade – ou Imortalidade – já se foram quase trezentos e cinquenta anos depois o último ano na qual os seres humanos morriam das mais diversas formas, porém a Morte fora controlada. As doenças foram destruídas e os acidentes simplesmente viraram possibilidades impensadas e quando ocorrem às pessoas são revividas.

O mundo sobreviveu as mais diversas catástrofes da Era da Mortalidade. Doenças, desastres naturais, acidentes, golpes políticos, corrupção, desigualdades sociais e econômicas, todavia a Nimbo-Cúmulo erradicara todas essas ervas daninhas do mundo. A entidade superior para a sociedade agora era uma máquina grandiosa que continha todos os conhecimentos adquiridos. Não exigia mais NADA a ser descoberto. As pessoas apenas viviam suas vidas sem se preocupar com mais nenhuma discussão moral, ética, política, econômica, cultural, religiosa ou social, pois a Nimbo-Cúmulo agora detinha o poder de decisão e observação sobre o globo. Nada fugia ao seu alcance e sua existência deu fim aos conflitos que geravam destruição da raça humana. Apenas um seleto grupo não estava sob seus cuidados: Os Ceifadores.

Os Ceifadores tem a tarefa mais gloriosa – e divina – e também terrível na Terra. Eles coletam – matam/ceifam – uma determinada cota de pessoas para que a população humana não extrapole os limites de sustentação do planeta. Para a Nimbo-Cúmulo não deveria se ter a necessidade da existência da coleta, mas com a Imortalidade viu-se a exigência de controle sobre a taxa de crescimento populacional e como a “Supremacia Autônoma” não dispõe de senso moral, fundou-se a Ceifa para tomar conta desses assuntos, porque somente os humanos teriam os requisitos necessários para julgar quem deveria ser coletado.

Era indiscutível a importância do trabalho dos ceifadores, mas ninguém queria manusear instrumentos que tirassem a vida dos outros. Os ceifadores podiam tirar a vida de quem quisessem. Isso mesmo...qualquer pessoa, entretanto o senso moral e ético tinha que prevalecer. Escolhas feitas a partir de estatísticas da Era da Mortalidade, onde as pessoas morriam das mais variadas causas e o princípio superior era coletar sem intenções preconceituosas e muito menos movidas por rinchas pessoais.

 A Ceifa se reunia em conclaves três vezes ao ano para discutir métodos de coleta, armas, atingimento de cotas e escolha de novos ceifadores e nessa crescente necessidade de novos ceifadores é que Citra e Rowan entram como aprendizes aos cuidados do Honorável Ceifador Faraday. Eles foram escolhidos após terem a infelicidade de suas vidas se cruzarem com o ceifador. Ambos não querem esse futuro, mas começaram a gostar da ideia de trabalhar com algo tão honrável quando realmente entenderam a tarefa da Ceifa, porém onde há humanos, existe sempre o manto da ganância, ambição e corrupção.

Citra e Rowan se encantam um pelo outro mesmo diante um dos mandamentos proibir intermitentemente relações amorosas entre aprendizes/ceifadores e juntos descobriram algo maior e impensável acontecendo numa entidade que devia prezar pela honra, justiça e trabalhos irrefutáveis.
Quais serão as ervas daninhas da Ceifa? Será que Rowan e Citra conseguirão descobrir onde está o mau daquela entidade? Como saber que ser Ceifador é algo digno ou apenas uma permissão insana para matar? E será que todas as coletas são justas?

“[...] Mas lembre-se de que boas intenções pavimentam estradas. E nem todas levam ao inferno.” p.32



Um livro viciante que injeta uma dose pesada de adrenalina nas veias dos leitores. A história consegue juntar distopia e traços da sociedade utópica de Thomas Morus de uma forma equilibrada e fascinante. O desenhar da evolução humana diante a ciência e tecnologia é impensável. Aqui as pessoas não morrem mais – só se foram coletadas -, não sentem mais dor, porque os nanitos – células desenvolvidas para aceleramento de cura e restauração após morte – as universidades só servem para passatempo, já que todo conhecimento foi adquirido e está disponível na Nimbo-Cúmulo. Não existem mais governos, guerras, sofrimento, desigualdade, mas existe a Ceifa.

Citra é uma adolescente – só se contam os anos até os 25, depois só existe Imortalidade – de quase dezessete anos que tem uma vida normal. Mora com seus pais e seu irmão Ben. Num dia qualquer, um ceifador chamado de Faraday adentra sua casa e pede para se alimentar naquela residência. O homem é um mistério e isso enlouquece o jeito explosivo da garota e ela acaba confrontando o ceifador. Ele leva na esportiva e explica que vai coletar a vizinha deles e não qualquer membro da família Terranova. A matriarca da família ganha imunidade e Citra acabam se tornando uma aprendiz de ceifador após receber um convite estranho para uma peça teatral.

Rowan é um jovem adolescente que sempre se conformou com sua invisibilidade em casa. Tinha uma família grande e ninguém nunca lhe dava atenção por mais de cinco minutos. Ele apenas tinha um amigo, Tyger, na qual vivia se jogando do prédio e sendo revivificado só para perturbar seus pais. Um dia Rowan foi abordado por um ceifador – Faraday – na escola perguntando onde fica a diretoria. O garoto se oferece para leva-lo e lá descobre que o maior jogador de beisebol da escola será coletado. Rowan fica junto do jovem até o seu último suspiro e assim ganha a admiração do ceifador, mas a repulsa de todos da escola que acreditam que ele poderia ter impedido a coleta. Dias depois ele se torna um aprendiz de ceifador, após receber um convite misterioso para assistir uma peça teatral.

Ser um ceifador aparentemente é terrível e assustador, todavia se refletimos em algum momento alguém teria que ter o trabalho da Morte e os ceifadores assumiram isso como sua responsabilidade diária após serem ordenados. Não fazem isso de forma arbitrária e impensável, porém isso é o que todos pensavam até nossos jovens aprendizes começarem a frequentar a Ceifa e perceberem que a sociedade poderia ser perfeita, mas os seres humanos, não.

“[...] os seres humanos aprendem com seus erros tanto quanto aprendem com suas boas ações.” p.340

O ceifador Faraday pertence à velha guarda dos ceifadores e coleta segundo seus valores e julgamentos morais. Ele escolhe após ter um estudo profundo sobre estatísticas de mortes na Era da Mortalidade. Não age com emoções pessoais e nem com traços de vingança. Assim mesmo age quando concede Imunidade – um ano sem poder ser coletado – para qualquer pessoa e assim acredita ser o trabalho de todos os ceifadores.

“A ideia de que alguns ceifadores poderiam não ser tão honrados quanto Faraday desagradou os dois aprendizes.” p.85

O enredo traz diversos questionamentos que deixam perplexos os leitores. É uma leitura para chocar e acender a chama da reflexão e senso crítico em quem se dispõe a ler a história. Será que realmente conseguiremos nos livrar do nosso instinto assassino que se atrela ao senso de sobrevivência? Será que não concedemos a liberdade legal para que pessoas matem outras em nossos nomes quando concedemos poder a um representante político? E quando nos omitimos não estamos também agindo contra ou a favor de alguma atrocidade moralmente incabível?

O livro traz perturbações que perpassam todas as áreas humanas; desde a destruição de todas as religiões, já que a morte fora vencida, o pilar que sustentava essas ideologias simplesmente se esvaia; a discussão sobre nosso propósito de vida, porque se não temos mais nada para descobrir e salvar, qual o motivo de ainda estamos vivos? Será realmente legal e moral uma máquina com inteligência cognitiva controlar a sociedade e impedir qualquer ato contra a vida de alguém? Será que existem mesmo motivos em ambos as perspectivas para permanecemos vivendo? Mesmo diante uma sociedade – atual – que se aproxima ao abismo de perversão, a crueldade e corrupção ou na possibilidade de uma sociedade sem preocupações, mortes e “desigualdades” e o risco do tédio constante?

O Ceifador é uma obra de desenrolar constante e revelações que trazem reviravoltas bem colocadas no enredo. Nesse primeiro volume somos introduzidos na realidade inconstentável: não existe a possibilidade de uma sociedade perfeita para os seres humanos, porque não existe uniformidade – e nem é aceitável – entre as pessoas, já que somos diferentes em vários aspectos e a educação deve ser libertadora e não padronizadora.


A diagramação do livro é impecável com fonte agradável e as folhas amareladas dão um toque charmoso com a capa que traz uma figura imponente do Ceifador. A narração é em terceira pessoa, mas em alguns momentos temos as vozes de Citra e Rowan nos acontecimentos. O livro é dividido em quatro partes: Manto e Anel, Nenhuma lei além destas, A Velha Ordem e a Nova Ordem e Fugitiva Midmericana, somando quarenta capítulos.

O Ceifador vem para mostrar que a perfeição é tão ilusória quando o conceito de Democracia aplicado em lugares que tem mais pessoas do que um ato democrático pode ser aceito e cumprido sem corrupção.

“Somos todos cúmplices. Vocês precisam dividir essa responsabilidade.” p.20 



Comentário(s)
15 Comentário(s)