[RESENHA] O Tempo Desconjuntado - Philip. K. Dick

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Título: O Tempo Desconjuntado
Autor: Philip K.Dick
Editora: Suma das Letras(Cortesia)
Ano: 2018
N° de Páginas: 272
Skoob
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Sinopse:
Um romance impressionante de um dos maiores nomes da ficção científica. Philip K. Dick faz o leitor duvidar do real e se perguntar a todo momento até que ponto a paranoia é justificada. Com edição especial em capa dura e projeto gráfico arrojado, uma obra inédita de Philip K. Dick chega ao Brasil, trazendo um retrato único da construção do medo, da desconfiança e da própria realidade. Ragle Gumm tem um trabalho bastante peculiar: ele sempre acerta a resposta para um concurso diário do jornal local. E quando ele não está consultando seus gráficos e tabelas para o trabalho, ele aproveita a vida tranquila em uma pequena cidade americana em 1959. Pelo menos, é isso que ele acha. Mas coisas estranhas começam a acontecer. Primeiro, Ragle encontra uma lista telefônica e todos os números parecem ter sido desconectados. Depois, uma revista sobre famosos traz na capa uma mulher belíssima que ele nunca tinha visto antes, Marilyn Monroe. E para piorar, objetos do dia a dia começam a desaparecer e são substituídos por pedaços de papel com palavras escritas, como “vaso de flores” e “barraca de refrigerante”. A única alternativa que Ragle encontra para descobrir o que está acontecendo é fugir da cidade e de todos esses acontecimentos bizarros, contudo, nem a fuga nem a descoberta serão tão fáceis quanto ele imaginava.
O Tempo Desconjuntado é um clássico intrigante e paranoico. Sua leitura leva os leitores para um labirinto de caleidoscópios de universos paralelos e discussões dialéticas tão atuais quanto na época da produção da obra.

Ragle Gumm é um veterano da Segunda Guerra Mundial. Você pode achar que ele mora numa cidade pacata com vizinhos maravilhosos e ser possuidor de uma família modelo norte-americano. Só que as coisas parecem nunca serem normais para esse homem. 
Ele mora sim numa cidade norte-americana tranquila e simples, porém mora com sua irmã, cunhado e sobrinho. Ragle participa de um desafio diário num jornal de circulação nacional, na qual deve acertar a localização do homenzinho verde num mapa que mais parece um campo minado. Com esse "trabalho" para lá de estranho, ele consegue se sustentar e despertar um certo desconforto nas pessoas que acham que sua atividade é apenas um hobby ou pior, pura sorte.
"[...]Os que se recusam a responder aos novos estímulos perecem. Adapte-se, ou desapareça...uma nova versão de uma regra atemporal." p.19
A rotina de Gumm é sempre a mesma. Acorda cedo, toma café e pega o jornal para passar o resto do tia solucionando o desafio do concurso que o colocou no topo da lista de maiores ganhadores desse concurso. Ele também vai algumas vezes jogar seu charme para sua vizinha da frente - ela é casada - , Junie Black, que também parece se encantar pelo jeito forte do veterano de guerra.
Tudo parece normal até coisas sutis  e estranhas acontecerem. Reações totalmente fora do contexto, como, pessoas correndo de alguma coisa completamente invisível aos demais, puxar uma cordinha para ligar a lâmpada mesmo sabendo que existe um interruptor para isso, o desaparecimento de objetos pela casa e o aparecimento de papéis com os nomes dos objetos no lugar dos mesmos, revistas que mostram celebridades famosas, mas que ninguém conhecem, sonhos difusos por parte de Ragle e seu cunhado e outras coisas que despertam uma sensação de não pertencimento àquele tempo.
" - Um deles sempre está aqui. Você sabe como eles são." p.122
Então uma luta dialética se eleva como propósito da vida de Ragle e seu cunhado, porque existe algo fora de contexto naquele lugar. Não pode ser normal sentisse deslocado em uma rotina que vive há anos, porém que parece ser apenas algo pronto e não autêntico.

Ambos começam uma batalha que pode trazer uma ruptura entre realidade e imaginação e trazer consequências tão dolorosas e cruéis que colocam em xeque o poder governamental e todos os modelos políticos e de controles adotados por diversas sociedades.
O Tempo Desconjuntado não é uma obra que traz romance ou drama, mas tem a função pura de falar sobre universos paralelos e principalmente, como a realidade pode ser manipulada e mostrada de acordo os interesses imperativos.
"Tudo pode servir de desculpa para que o mecanismo se ponha em movimento e todas as forças comecem a convergir sobre mim." p.145
Ragle Gumm sem sombra de dúvidas é uma pessoa com capacidades intelectuais elevadas aos padrões normais, porque ele consegue fazer cálculos e deduções científicas para saber exatamente onde o homenzinho verde vai aparecer e algo incomum que ocorre é que os criadores do concurso não querem que de modo algum ele pare de responder aos desafios.

Nosso protagonista é um homem de questionamentos fortes e opiniões bem definidas sobre tudo, porém sente-se desconfortável por ter passado da "idade" e não ter família e não poder viver seu amor com Junie, já que ela é casada com o Sr. Black. Somente quando tudo começa a parecer confuso e preste a romper em algo inimaginável, ele sente que algo adormecido nele volta a tona e traz determinação aos seus passos.
Philip Dick é famoso por Blade Runner, entretanto todo seu talento técnico e característico se dar nessa obra que aborda brilhantemente a narrativa antecessora da brilhante e inesquecível trilogia Matrix. Em Tempo Desconjuntado temos uma ambiente brilhantemente montado e apresentado ao leitor como uma pequena cidade comum que podemos encontrar em qualquer parte do comum e a jogada mestre está no contexto histórico, na qual os habitantes estão inseridos.
"Eles tiveram um trabalho gigantesco para construir um mundo falso ao meu redor para me manter tranquilo." p.162
A cidade vive o terror norte-americano do possível ataque bélico em qualquer parte do país e por isso a vizinhança faz treinamentos constantes para um "eminente" ataque da Bomba H que destruíra uma cidade num piscar de olhos. Só que tudo parece "perfeito" demais e Ragle sabe - instintivamente - que algo está errado. Ele parece saber coisas que já aconteceram. Será que a loucura se acoplou de seu cérebro? Como ele tinha certeza que o "homenzinho verde" estaria no jornal? Por que o concurso queria tanto suas respostas que relevou vários de seus erros?

O enredo vai crescendo na eminência de uma guerra que nunca chegou - já que a Guerra Fria ocorreria um pouco mais a frente - e que se pauta na paranoia da família de Ragle com a realidade e aí chega o apogeu da história. As revelações despertam uma confusão deliciosa e perigosa não somente nos "detetives" amadores, mas também nos leitores que se sentem baqueados com a verdade. Dick não mede esforço em quebrar nossa ideia limitada de tempo e nos apresentar uma linha temporal para lá de atual, que permeia a camada mais essencial da sociedade : a Política.
Os anos finais da década de 50 e início dos anos 60 que são usados nesse livro tem uma função primordial no contexto: causar estranheza tantos nos moradores quanto nos leitores. Philip detalha com maestria as épocas citadas, porém sentimos que há algum "objeto" fora da harmonia do conjunto e isso ele explora com exaustão e nos mostrando numa parte avançada do enredo, diálogos filosóficos e dualísticos entre Ciência e a Religião que são a base da ficção científica em sua época, porque só esse gênero para unir protestantes, católicos e ateus num mesmo contexto bélico e trazer críticas nítidas e fortes contra seus posicionamentos muitas vezes extremistas e irracionais.

Não procure por robôs ou a vinda do nosso amigo Flash para destruir alguma linha do tempo rs e sim uma obra que nos norteia com críticas bem pontuadas sobre a manipulação do Estado com seus cidadãos e principalmente a legitimidade dos "fins justificam os meios" que os estados-nação usam abundantemente quando querem tomar decisões que vão contra a decisão popular e são nocivas aos seus empregadores - sim, é o povo que emprega os políticos - e por isso usam manobras de "pão e circo".

A leitura pode ter seus altos e baixos, principalmente para quem não está acostumado com a ficção científica na Literatura, mas a insistência na leitura e também a mente livre de achismos, dar uma experiência fantástica que nos presentear com uma obra que abriu "o mar" para diversas obras do gênero na atualidade, como Matrix, Matéria Escura - resenha aqui - e outros autores de ficção científica. 

A capa traduz muito a essência do livro, já que a figura do rádio tem poder central na obra. Narrativa em terceira pessoa que dar visão ampla aos leitores e que "casa" bem com a fonte agradável e um formato de folha "envelhecida".

O Tempo Desconjuntado traz toda a cadência e maestria do talentoso Philip Dick e nos presenteia com uma viagem crítica e filosófica sobre Estado e poder.


Nota para a obra:



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